sábado, 13 de maio de 2017

Sobre ressentimentos e humanos, demasiadamente humanos


Num belo dia, fui almoçar com uma pessoa muito querida que é referência para mim em vários aspectos (como profissional, como pessoa, como cidadã etc.),  e, durante o almoço, ela disse que, para uma relação dar certo, cada pessoa precisa ter seu próprio carro e ter um faxineira em casa.

Provavelmente vocês não sabem, mas julgo muito todos vocês que se dizem de esquerda, mas exploram o trabalho de uma mulher, geralmente negra, nas suas respectivas casas, onde só Deus tá vendo. Então, nem preciso dizer que o comentário dessa pessoa querida me deixou com #várias #queixa. Mas, apesar de incomodada, constatei que nem sempre a gente consegue falar sobre o que nos machuca. Às vezes, a gente só consegue rir um riso amarelo de sem graça e encher a boca de comida, abafando as feridas.

O interessante que, depois disso, eu não fiquei com raiva da pessoa querida e nem deixei de achá-la uma pessoa incrível por causa do seu comentário elitista dirigido para uma pessoa que, assim como tantas outras mulheres negras, é a filha de faxineira. Além disso, eu bem que acharia daora não ter de pegar o 1386 (a.k.a Barra via Garibaldi) entupido de gente para ir para a faculdade, mas o plano de ter um carro nunca coube no meu orçamento mirrado (desculpa ae pelo vacilo!).

*Alerta de ironia braba para os navegantes distraídos* Mas é aquele ditado, né, meus relacionamentos nunca deram certo, porque eu não me esforço. Todo mundo sabe que é só ter força de vontade, não ter preguiça de batalhar pelos meus sonhos, porque assim, sendo bem good vibes, BTW é moleza ganhar capital suficiente para (i) ter um carro e (ii) ter uma faxineira para fazer minha comida e limpar minha sujeira enquanto eu estudo, trabalho e produzo textão no facebook sobre opressão e (iii) conquistar um varão que também tenha um carro. #exausta

Ironias à parte, o que eu quero dizer é que, num tempo não tão distante como eu gostaria, provavelmente eu teria dado adeus para sempre para essa pessoa. Sim, por causa de UM FUCKING COMENTÁRIO. Sim (parte 2), ~~já matei por muito menos~~. porque ~~culpa não é minha, a culpa é do meu signo~~. *Aviso 2 aos navegantes deste blogue hulmidão*: os  comentários entre aspas também contêm doses altíssimas de  ironia (*me perdoem pelo vacilo!* o retorno).

Então, embora não tenha tido coragem para cutucar a ferida, não deixei de falar com a pessoa admirada, muito menos deixei que o rancor e ressentimento minassem os sentimentos bons que nutro por ela. Com o tempo, essa pessoa passou, mesmo que distante, a significar tanto para mim que fico feliz por ter tomado essas escolhas.

 Mas não me levem a mal, isso não quer dizer que eu seja uma pessoa melhor, mais evoluída e madura agora (quem me dera. *suspiros*). Muito menos acho que a gente tem de relevar toda e qualquer babaquice das ´pessoas. Acontece que passei a entender algo que eu simplesmente não conseguia entender antes. Senta que lá vêm mais alguns parágrafos de cagação de regra disfarçados de entendimento fuderoso que mudou a minha vida *risos irônicos*:

É muito importante cultivar boas referências na vida, mas sem esquecer que essas boas referências são, antes de tudo, seres humanos, e, por isso,  suscetíveis de serem humanos, demasiadamente humanos. Ou seja, essas pessoas #divas #lacradoras #quesódãopisão vão enfiar o pé na jaca em algum momento da vida assim como geral já pisou na bola ou ainda vai pisar na bola, pode crer.

A difusão da pisação de bola é um fenômeno pouco estudado, pouca gente fala sobre isso, mas ele é real, ele #tá #aconteceno. É a única certeza que eu tenho é: enquanto houver vida, haverá gente pisando na bola.

Então, por mais divas lacradoras  que minhas referências sejam, elas vão fazer ou falar algo que eu discordo em alguma ocasião. E tá tudo bem que seja assim. A pessoa que almoçou comigo não é só aquele comentário infeliz. Ela é muito mais que isso. 
 Não existe 100% de concordância entre pessoas. Sempre vai ter aquele momento em que você vai ouvir a pessoa falar algo que faz todo sentido para ela, mas um total de 0 sentidos para você e pensar "peralá! prestenção! não é bem assim, kirida!'" e vai ter de decidir se vale a pena conversar sobre as divergências, ou se deve seguir o baile. 

Quando comecei a prestar mais atenção a isso, eu aprendi que é importante fugir da tendência de supervalorizar as pessoas que admiramos, como se elas estivessem numa posição acima da nossa vil humanidade. É preciso correr para longe da cilada de querer criar expectativas que são too much para qualquer ser humano. 

E não é só isso, é preciso reconhecer a humanidade do outro, entendendo o outro e suas fragilidades. Ainda que esse outro seja um exemplar de ser humano porreta, é preciso compreendê-lo sempre como um ser em construção, porque é justamente isso (vale lembrar mais uma vez aqui!) que nos torna humanos, demasiadamente humanos.